Protestos no Brasil: O dia em que me senti vivendo a Ditadura Militar no Rio de Janeiro



Mais de 1,5 milhão de pessoas participaram nesta quinta-feira (20/06) de protestos realizados em mais de 100 cidades brasileiras, no maior dia de manifestações desde o início da onda de marchas. Só no Rio de Janeiro haviam mais de 1 milhão cobrindo toda a Presidente Vargas e a Rio Branco. Uma imagem linda e impressionante. Uma revolução alimentada pelas redes sociais que fez o povo realmente sair do Facebook para as ruas.


Cheguei à Candelária, na Presidente Vargas e a imagem foi arrepiante. Milhares de pessoas reunidas gritando e festejando, não por futebol, não por uma celebridade, mas por política. Querendo reformas, mudanças. Seja pelo preços das passagens, pela roubalheira da Copa, a falta de investimento em saúde e educação, pelo Feliciano e seu projeto de cura gay aprovado, pela PEC 37, ou pelo preço das rações... cada um com seu motivo. Mas com a mesma insatisfação. Querendo e exigindo mudanças de maneira pacífica, descontraída e criativa.

Vi grupos fazendo ciranda, com letras criativas, vi mímicos com pantomimas e cartazes instigantes, vi uma orquestra tocando o hino nacional, vi uma banda tocando Legião Urbana e Cazuza, vi senhoras e senhores lembrando das Diretas Já e dizendo que apoiavam essa nova juventude. Vi professores, médicos, enfermeiros, estudantes, funcionários públicos, empresários, desempregados, cantores, atores da Globo... os mais diversos tipos de pessoas formando uma multidão de 1 milhão gritando por respeito e investimentos em saúde e educação.

Foi curioso ver a Presidente Vargas receber os manifestantes completamente vazia, fechada para a manifestação e, por acaso, apenas um único ônibus vazio estacionado no meio da pista. Estanho não? Mas o povo percebeu que era uma armadilha, uma isca para que fosse usado em estatísticas de vandalismo e ao invés de depredá-lo, deixou colado nele vários recadinhos "carinhosos" para o nosso governador e prefeito.

No meio do caminho, arrastões, próximo à Central do Brasil. O que me espantou é que quando um dos manifestantes apontou aos militares o monte de trombadinhas assaltando, eles apenas disfarçaram e viraram as costas. Algo estava começando a ficar estranho.

Próximo à Prefeitura, o grupo mais revoltado gritava pela manifestação do Prefeito Eduardo Paes, o queridinho Dudu que um dia antes foi ao Bom dia Brasil da Globo dizer que o povo não podia reclamar de passagem porque o Bilhete Único vale por duas passagens e porque 60% dos cariocas nem pagam por ele, é a empresa que paga. Sério Dudu?

Primeiro que o Bilhete custa R$2,95 por duas passagens DURANTE 2 HORAS e em ônibus. Se eu pego barcas, metrô, ônibus em horários diferentes eu pago MUITO MUITO mais. Mas o Senhor não usa transporte público não é Dudu, como poderia saber disso? E segundo que eu não vivo para trabalhar. A empresa pagaria apenas as passagens que uso para ir para o trabalho, e ainda descontaria no meu salário, o que ficaria elas por elas. Mas acontece que eu também vou ao médico, visito minha família, vou ao mercado mais distante por que é mais barato, vou fazer exames, etc. Nessa brincadeira acabo gastando por volta de R$400,00 do meu salário nesse transporte público de péssima qualidade.

Mas essa discussão sobre as passagens já ficou para trás. O povo estava ali protestando para provar que o buraco é BEM mais embaixo. Como bem disse Miriam Leitão "Se ficarmos só no gatilho que levou o povo às ruas, há motivo de sobra para a insatisfação. A crise não é apenas econômica, mas a economia tem dado motivos de sobra para a insatisfação."

Mas voltando à manifestação, d
epois de escutar algumas bombas explodindo, comecei a voltar prevendo o início da confusão. Diversas pessoas voltavam calmamente, sem agitação ou qualquer apreensão, e alguns grupos ainda avançavam em direção à Prefeitura. O clima ainda era de tranquilidade quando cheguei à Central. Foi quando os barulhos de explosões começaram a ficar mais frequentes. Indo para a estação de metrô pude perceber que começaram a surgir policiais do nada, tropa de choque, caveirões... relatos de amigos contam que eles estavam de tocaia nas ruas transversais à Presidente Vargas e, quando o povo pensou em dispersar por essas ruas, foram surpreendidos por policiais covardes que atacaram os manifestantes pacíficos com balas de borracha e gás.



Enquanto isso, diversos feridos iam buscar abrigo no Hospital Souza Aguiar. Diversos enfermeiros, médicos além dos manifestantes relataram que os militares chegaram de moto na frente do hospital atirando nos manifestantes que estavam lá em frente e até em outros que estavam apenas saindo do hospital com familiares. Bombas de gás foram lançadas no pátio do hospital e o interior foi tomado pela fumaça.


Cheguei de metrô na Glória e vi diversas pessoas correndo, vindo da Lapa. Olhando para a Lapa, só vi fumaça, e escutava explosões. A tropa de choque chegou na Lapa. Nunca assisti isso na minha vida. Bombas de gás foram jogadas na praça dos Arcos e no teto do bar do Circo Voador. Diversos manifestantes e pedestres totalmente inocentes foram se abrigar no Circo. O autor da foto ao lado foi alvejado no queixo com bala de borracha ao fazer a cobertura dos fatos na praça. Ação lamentável.

Mas a noite ainda não havia acabado. Da minha janela vi 3 helicópteros sobrevoando minha rua e barulho de bombas cada vez mais próximos. A polícia foi seguindo os manifestantes que tentavam ir embora. Vi diversos policiais de moto, cavalos e a pé atirando gratuitamente nas pessoas que ainda estavam nas ruas, sem se importar com aqueles que estavam no barzinho ou apenas caminhando na calçada. Bombas de gás jogadas violentamente e as pessoas nas janelas dos prédios começavam a se esconder com medo de serem alvejadas.

Toda essa ação só comprovou que a polícia militar não está preparada nem treinada para lidar com a população civil. Eles são treinados para a guerra, para matar. E eu temo pela minha vida. Ainda mais quando vejo que a TV só mostrava atos de vandalismo de protestantes que quebravam vitrines ou depredavam prédios. Mas não mostrou nada dessas atrocidades que presenciei e que meus amigos testemunharam dos policiais contra a população civil. Uma realidade vivida diariamente pelo povo das favelas e que só agora a população em massa está conseguindo sentir na pele.

Em Brasília tentaram invadir o Congresso, e até o Palácio do Planalto. Impossível não fazer um paralelo com a Revolução Francesa, que ironicamente também começou com uma revolta por causa de aumento do preço, no caso deles, do pão.

Minha esperança é que a população consiga se organizar melhor, e que os protestos consigam ser mais coesos quanto ao discurso. No primeiro momento é válido cada um levar seu protesto, mas no fim é preciso haver apenas uma voz para conseguir uma mudança, e de preferência que essa mudança venha na forma de uma grande reforma política.

Às pessoas que não participaram dos protestos, e só sabem deles através de notícias da mídia (Principalmente da Rede Globo) meu recado: acreditem mais nos depoimentos de quem participou do que na TV. Leia os posts dos seus amigos e familiares no Facebook. Eu estive em 3 locais de conflito diferentes e vi covardias que a TV NUNCA IRÁ MOSTRAR. Leia diversas fontes, não só O Globo, Folha ou Estadão. Leia mídias internacionais, leia blogs e sites independentes. Junte as peças, tire suas próprias conclusões. Estamos em momento crítico da nossa história e muitos grupos irão querer manipular o povo. É a hora de pensar fora da caixa e não replicar discursos prontos.

 
Cito aqui o texto da minha amiga Mariana Campos, estudante de Direito na FGV e na UERJ, que reflete bem como a mídia tem filtrado as informações para a população de casa:
"Eu gostaria de ver a #RedeGlobo mostrando as imagens de vandalismo da #PoliciaRJ, da ação dela encurralando em TODAS as transversais da Presidente Vargas até o Campo de Santana os manifestantes pacíficos.

Eu gostaria de ver as imagens da população protestando em paz na Presidente Vargas, tendo de correr após a enorme repressão GRATUITA da PM.
Não, ali não havia vândalos. Não, ali não havia confusão. Não, ali não havia ninguém xingando. Havia gente sentada no chão, gente cantando o hino, gente gritando ter orgulho de ser brasileiro.

Eu gostaria que a #RedeGlobo divulgasse os vídeos e os relatos de quem estava voltando para casa e foi violentado, recebeu spray no rosto da #PoliciaPM.

Eu gostaria que o @EduardoPaes e o @SergioCabral explicassem porque fechar o metro, transporte público, no momento em que as pessoas queriam voltar para casa.

Eu gostaria que fossem mostradas as covardes violações de direitos humanos por parte da PM. Não há motivos para se ter orgulho de quem trata a população, em pleno direito de manifestação, com tanta violência. #JusticaGlobal #AnistiaInternacional #CIDH

Porque na repressão de vândalos está todo mundo junto. Gostaria também de ver todo mundo junto na repressão da corrupção, seja ela por políticos ou empresários, desde o desvio de verbas públicas até a sonegação fiscal."

Leia relato de como foi o protesto do dia 17/06 no Rio de Janeiro. 

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